terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Acerca do Dragão, no seu ano de 2012...

  



              Do Dragão, telúrico, aquático, celestial e íntimo...,                          para o seu ano de 2012....
       É possível que a memória planetária dos dinosauros pré-históricos da Era Mezóica, até estimulada pela descoberta de fósseis que percutiriam ou se reflectiriam na psique humana, seja uma das origens deste animal fabuloso, presente em várias tradições, mas também a imaginação, intuindo formas e fundindo grandes lagartos com serpentes, e dando-lhes asas, esteve em acção...
     É natural que certos lugares da Natureza, de grande beleza e força, como as zonas montanhosas e verdejantes, ou acontecimentos como as nuvens e coriscos nas tempestades, tenham intensificado a reverência maravilhada que facilmente presente sob as formas fantásticas seres invisíveis, elementais, anjos, presenças espirituais ou kami. 

     O dragão surgiu então como representação das energias e correntes, poderosas, invisíveis, formadoras e fertilizantes da Natureza, presentes ou ocultas em todos os fenómenos. E assim como um fogo invisível faria surgir o raio que fazia arder a árvore atingida ou chamuscá-la (e ficava sendo sagrada e mais tarde a melhor para ser usada em escultura), assim imaginações sensíveis atribuíram ao dragão as tempestades, o raio, a chuva, mas também,  ao localizarem-no numa parte do ano no mundo subterrâneo, os tremores de terra. Tornou-se de certo modo um símbolo de união entre o céu e a terra, com todos os elementos participando...

      É no Japão, onde é denominado Tatsu ou Ryu, na China, Lung, e no Taoísmo, que o dragão foi mais cultuado como uma energia e um animal simbólico benéfico, e que sendo a energia Yang, masculina, quente, solar (a contrapartida feminina, Yin, é representada pelo tigre) tanto representa as energias telúricas da terra, como as águas purificadoras, como as forças dinâmicas do céu, sendo na astrologia o quinto signo, com as correspondências energéticas da direcção do Oriente ou Este, as cores azul, azul turquesa ou verde...

      Os povos orientais, por vários motivos, acolheram mais intimamente a ligação entre os humanos e os animais, seja por o budismo admitir a transmigração humana em corpo animais, seja por se considerar que os animais podem ser corpos ou manifestações dos deuses, ou que podem mesmo possuir corpos humanos. Daí também que as formas híbridas e bem imaginativas surgissem e sendo transmitidas e cultuadas ao longo dos séculos, abundem. 

       Lembremos apenas na tradição japonesa o Baku, que protege dos maus sonhos e que combina os traços do elefante e do leão, o Kappa, que vive nas águas e atrai as pessoas para elas, e que é um misto de trataruga, rã e macaco, a Yamata no Orochi, a serpente gigante das oito cabeças (também vista como um dragão e quando morta pelo Kami Susano O no Mikoto, da sua cauda surgiu a espada Kusanagi, que se tornaria um dos três tesouros imperiais, Sanshu no Jingi), ou o Shishi, meio leão  meio cão que comumente guarda a entrada ou a proximidade dos santuários shintoistas e dos templos budistas, muitas vezes numa polaridade em que o um tem a boca aberta e o outro fechada aludindo ao alfa e omega, princípio e fim dos sons e da manifestação, para o caso usando-se mesmo as sonoridades de origem sãoscrita Aum e Um



       O dragão (tatsu ou ryu) na tradição japonesa é considerado o ser supremo animal no céu e surge representado geralmente entre as núvens e as tempestades, ora num par que brinca com um torvelinho energético donde brotarão as alterações atmosféricas e  chuva, ora segurando e revelando a pérola da imortalidade e do sucesso. 
      A anatomia e as capacidades ocultas do dragão (ou dos que se tornam dragões....) são prodigiosas e destacaremos apenas a de se poderem transformar no que querem, ou terem no cimo da cabeça uma crista que lhes permite voar, o que alude certamente ao chakra da coroa activado.... Na garganta têem uma pérola auto-luminosa e que lhes ilumina o caminho, de novo uma capacidade ao alcance de cada um, de cada fiel ou adepto, que se concentra no chakra da garganta, purificado pela palavra, mantra ou  oração (norito), justa e harmoniosa e ressoante e conscientemente pronunciada...
          Nos rituais do Shintoismo imperial  encontramos os cinco  reis dragões, goryuo: O dragão azul, Seiryu, correspondente à direcção este e ao elemento madeira. O Sekiryu, o vermelho, do elemento fogo, presente nas eplosões solares, tempestades e raios, e  que protege o sul. O dragão branco, Hakuryo, ligado ao Ocidente e ao elemento metal, o mais veloz a voar. O dragão negro, Kokuryu, ligado ao norte e à água, com traços de ferocidade ou de maldade, e que é o deste ano e logo exigindo muito discernimento e firmeza. E por fim o Koryu, o dragão amarelo, ligado à terra, ao centro e também ao Imperador. Quem medita ou ora ritualmente pode ter em atenção estas correspondências e inalar e emitir conscientemente o sopro ora ardente ora aquático do dragão...
        Em verdade nas práticas alquímicas interiores da circulação da energia, pela respiração e visualização, o dragão representa a energia vital masculina e que, equilibrada com a feminina, faz brotar o ser sublimado, ou a pérola-elixir da imortalidade….
         São muito frequentes as representações do dragão nos telhados de santuários shintoistas ou de templos budistas, e mais ainda nas bacias de água purificadora junto aos santuários, denominadas temizuya, e onde os peregrinos e fiéis lavam as mãos e a boca com  a  água que jorra da fonte de um ryo, esculpido em metal, pedra ou madeira, dragão e rio da correnteza misericordiosa divina. Há também alguns templos budistas ou santuários shintoistas famosos consagrados ao dragão, como o de Itskushima..                                                                                       
   
        Já no Cristianismo foi sobretudo símbolo do mal, do diabo, do pecado, do egoísmo, conforme a lição do Apocalipse, posto a circular sob o nome venerado do discípulo amado de Jesus, João, com o arcanjo Mikael a vencer Lucífer, sendo tal texto uma das fontes maiores da simbologia da arte Românica, eja nas iluminuras de livros seja nas pedras dos capitéis esculpidos. Mas se na tradição Ocidental o herói tem de vencer o dragão, nem sempre isso implica a sua morte pois pode ser o seu amestramento ou dominação. 
     Assim na iconografia cristã vemos S. Jorge (e que foi padroeiro de Portugal e ainda está cultuado no castelo de S. Jorge, em Lisboa...) a vencer e a controlar o dragão, o qual significa ainda o inconsciente, a energia em bruto ou natural do ser humano, as pulsões instintivas que ameaçam devorar a alma passiva ou inocente, representada como uma donzela a ser atacada, conforme as belas imagens que tantos grande pintores medievais e renascentistas nos deixaram. 
        Nas igrejas românicas e góticas teremos pois de sentir bem a mensagem que o artista quis deixar no contexto da obra, para podermos sondar e captar as melhores significações e energias de um símbolo que, nas suas dimensões positivas, é de grande dinamismo, força, vigilância, poder alado, e que ora pode ser um aviso contra os vícios e defeitos, simbolizando então o mal ou a intensidade que temos de controlar, ora um sinal estimulante da elevação do ser humano, representando as energias e correntes subtis da natureza e do inconsciente da nossa psique que podem ser activadas, ordenadas, elevadas, de modos criativos e fulgurantes…
       No convento de Tomar, no mosteiro dos Jerónimos em Belém e em muitos outros monumentos de arte românica e gótica, por exemplo, encontramos o dragão esculpido na base de colunas, e da sua boca brotam as plantas, os animais, o homem... 
     Como já no Salmo CXLVIII do Antigo Testamento se cantava:”Louvai o Senhor, dragões da terra, e todas as profundezas da terra.” E em verdade toda a natureza é uma constante metamorfose do caos e potência da Shakti pura e profunda, da matéria-energia original, movida pelo sopro do Espírito, do Logos, dos mestres construtores e iniciados, e da vontade sábia e amorosa. 
       Saibamos então cultuar as melhores potencialidades da energia do Dragão e do seu ano, pelas nossas acções e meditações, palavras e intenções, ou a imaginação e a determinação, tanto de expulsar o que está mal como o de trazer ao de cima e manifestar criativamente a verdade, a beleza e a harmonia fraterna e espiritual entre os seres… 



Como nos mostra a imagem algo enubelada dos dois dragões complementares e do Oriente e do Ocidente, tirada do pórtico poente do mosteiro dos Jerónimos,  ergamos, afirmemos e preservemos com coragem a taça plena do coração ou do cimo da cabeça..., e do Graal do Bem Comum e do Divino entre os seres humanos..., para sermos assim dragões...  

        Aum.....         Ryu...

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